Filosofia: A Experiência do Sagrado e a Instituição da Religião


1. O que é o sagrado? Que palavras as culturas usam para designá-lo?

O “sagrado” é a dimensão da realidade percebida como separada, poderosa e significativa, que inspira respeito, temor e fascínio. É o “totalmente outro” (R. Otto: mysterium tremendum et fascinans).Termos e nomeg (amostras):

Latim: sacrum; grego: hágios / hierós; hebraico: qôdesh; árabe: haram; sânscrito: śrī, brahman; iorubá: àṣẹ; tupi-guarani: nhanderu (referindo-se ao divino).

Em geral implicam separação (tabu), pureza e força eficaz.

2. O que quer dizer "encantamento do mundo"?

É ver o mundo como cheio de sentido, presenças e forças (espíritos, deuses, orixás, manás, bênçãos e maldições), onde natureza, tempo e objetos são portadores de valor sagrado. Em contraste, Max Weber falou no “desencantamento” moderno: racionalização que retira da natureza o caráter sagrado e a submete a explicações técnico-científicas.

3. Como nasce a experiência religiosa?

Costuma emergir de:
  • Vivências liminares (nascimento, morte, doença, êxtase estético, natureza grandiosa).

  • Sentimento do numinoso (temor + atração).

  • Tradição e rito: aprendida em família/comunidade e reforçada por práticas, narrativas e símbolos.

É uma resposta humana a dependência, gratidão, vulnerabilidade e busca de sentido.

4. O que significa a palavra religião?

Etimologias clássicas:
  • re-legere (Cícero): “reler, recolher”, atenção ao culto.

  • re-ligare (Lactâncio/Tertuliano): “religar” o humano ao divino e à comunidade.

Hoje: sistema de crenças, práticas, valores e instituições que organiza a relação com o sagrado

5. O que é um rito? Por que é realizado? 

Rito é ação simbólica repetida (palavras, gestos, objetos, tempos e espaços marcados) que torna presente o sagrado, cria coesão social, marca passagens (vida/morte, estações, estados) e educa afetos. Ex.: batismo, oferenda, salat, puja, roda de tambor, ritos de passagem.

6. Como a religião transforma os objetos em símbolos? 

Por consagração e uso ritual. Um objeto comum, inserido em narrativa e rito, vira “suporte de presença” (Eliade fala em hierofania): água → batismo; pão/vinho → eucaristia; folhas/pedras → axés; tecidos/cordões → talismãs; direção/templo → eixo do mundo. O valor não é material, é relacional e narrativo.

7. Exponha as críticas de Espinosa e Feuerbach à religião. 
  • Espinosa: critica superstição e teologia política; defende leitura histórico-crítica da Escritura; identifica Deus com a Natureza (Deus sive Natura), reduz milagres a ignorância de causas naturais, e centra a religião prática em justiça e caridade, não em dogmas.
  • Feuerbach: diz que a religião é projeção das qualidades humanas idealizadas no “Deus”; resulta alienação: o humano perde a si ao atribuir fora de si sua essência (amor, razão). Propõe reapropriar essas qualidades na ética/humanismo.

8. Quais as soluções propostas para conciliar religião e filosofia? 
  • Harmonia crítica (Agostinho/Tomás): fé e razão distintas, porém convergentes.
  • Limites da razão (Kant): a razão delimita o que se pode saber; religião no âmbito moral/prático.

  • Fideísmo moderado: a fé precede, a razão explicita.

  • NOMA (Gould): “magistérios não sobrepostos”: ciência/filosofia tratam do como; religião, do sentido/valor.

  • Fenomenologia/Hermenêutica (Eliade, Ricoeur): compreender os significados sem reduzi-los.

  • Pragmatismo (William James): avalia a religião por seus efeitos na vida.

9. Compare algumas religiões que você conhece, adotando como critérios de comparação os aspectos do sagrado e do religioso. 

  • Judaísmo/Cristianismo/Islam (monoteísmos): sagrado transcendente e pessoal; revelação; história linear; ênfase ética/lei; ritos de aliança (shabat/eucaristia/salat).
  • Hinduísmo: sagrado imanente e transcendente (Brahman), múltiplas vias (bhakti, jñāna, karma), ciclo samsara, rituais domésticos/templários.

  • Budismo (em geral não-teísta): sagrado como Dharma (lei do despertar), foco na superação do sofrimento (Quatro Nobres Verdades), prática meditativa/ética; símbolos (roda do Dharma, stupa).

  • Religiões de matriz africana (ex.: Candomblé): sagrado imanente nas forças da natureza (orixás), axé como potência vital, ritos de incorporação, música/dança, objetos consagrados.

  • Religiões indígenas: sagrado cosmocêntrico, forte relação territorial/ancestral, xamanismo, narrativas de origem, ritos de passagem e cura.

10. Apresente as três principais conseqüências das religiões da transcendência.

a) Linearização do tempo (criação → história → juízo/escatologia), valorizando eventos e responsabilidade histórica.
b) Dessacralização relativa da natureza (distinção Criador–criação), abrindo espaço para lei, ética e investigação do mundo.
c) Universalismo moral/pessoal (um Deus de todos, dignidade da pessoa, justiça/compaixão), com efeitos em direitos, caridade e também tensões com política e pluralismo.

11. Apresente algumas diferenças entre mythos e logos. 
  • Mythos: narrativa simbólica fundadora; verdade existencial/ritual; transmite sentido e identidade; baseia-se em tradição e autoridade; tempo arquetípico (muitas vezes cíclico).
  • Logos: discurso argumentativo; busca coerência, prova e explicação causal; abre espaço para crítica e método; tempo histórico/linear.

Observação: não são inimigos por essência; culturas os articulam de modos diversos.


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